Introdução
O câncer é um problema de saúde pública, configurando-se como a segunda principal causa de morte no mundo. As estimativas, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), indicam que, no período de 2023 a 2025, haja o aparecimento de 704 mil novos casos de câncer no Brasil para cada ano desse triênio1,2.
Um dos grandes desafios das equipes multiprofissionais que atuam na assistência a pacientes oncológicos é obter a adesão ao tratamento. De acordo com a OMS, a baixa adesão ao tratamento de doenças crônicas, dentre elas, as neoplasias, representam um problema de ordem mundial, sendo que em países desenvolvidos, a adesão está em torno de 50% e esse número tende a ser menor em nações em desenvolvimento3,4. Não existe um consenso padrão para a taxa ideal de adesão para antineoplásicos, entretanto, é esperado um valor acima de 90% para se observar respostas moleculares completas5.
Fatores e Consequências da Falta de Adesão ao Tratamento
A falta de adesão pode se manifestar em diversos aspectos, como dificuldades pessoais para iniciar o tratamento, suspensão prematura, omissão ou esquecimento, falta às consultas ou aos retornos, automedicação e manutenção de um estilo de vida prejudicial para a recuperação. Diversos fatores podem interferir na adesão, dentre os quais destacam-se a idade, debilidades cognitivas, grau de escolaridade, conhecimento sobre a doença, relação com o profissional da saúde e complexidade do tratamento5. O estado emocional que o paciente se encontra também interfere diretamente na forma como ele enfrenta a doença e na relação que estabelece com o tratamento. Sentimento de revolta e frustrações podem estar presentes, sendo um possível fator de não adesão6.
Além desses fatores, sabe-se que a terapia medicamentosa oncológica pode trazer diversos efeitos indesejáveis para o paciente e representa também uma das principais causas de baixa adesão4.
Em países de baixa e média renda, o abandono do tratamento é apontado como uma das principais causas de insucesso da terapêutica, com múltiplas consequências. A não-adesão tem sido associada a um aumento do consumo de recursos de saúde, incluindo visitas mais frequentes ao hospital, maiores taxas de hospitalização e maior tempo de internação. Além disso, uma comunicação ineficiente entre o paciente e a equipe médica pode gerar lacunas de entendimento e levar o prescritor a atribuir a progressão da doença a uma falta de eficácia dos antineoplásicos, resultando em possível alteração desnecessária do regime posológico. Uma menor dose administrada pode afetar a qualidade de vida e, em casos extremos, levar à morte prematura. Pacientes que não seguem o tratamento também estão sujeitos a maior toxicidade, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos secundários do tratamento7,8.
Papel do profissional da saúde
A adesão ao tratamento é um fenômeno multidimensional decorrente da interrelação entre diversos fatores, dos quais a participação do paciente é apenas um entre eles. Por isso, as estratégias para aumentar a adesão deve abranger a situação em sua totalidade, com ações voltadas para o paciente, para a própria doença, para o processo de tratamento e aos profissionais da saúde6.
Estreitamento de relações com pacientes e familiares
Dentre essas frentes de atuação, destaca-se a importância da contribuição do profissional da saúde nas estratégias de aumento da adesão ao tratamento. Conhecer o paciente e seus familiares é primordial, considerando as condições socioeconômicas e culturais que estão inseridos, uma vez que esses fatores podem influenciar a percepção do paciente em relação à sua condição de saúde. Ao conhecer o indivíduo de forma integral, buscando compreendê-lo em suas múltiplas relações, permite ao profissional uma abordagem profissional humanizada e solidária6,8,9.
Comunicação adequada e educação do paciente
O oncologista desempenha um papel essencial no estabelecimento de uma comunicação assertiva, utilizando linguagem clara e acessível para fornecer as orientações sobre os objetivos do tratamento, a importância do seguimento da prescrição medicamentosa e os efeitos colaterais mais comuns, certificando-se que o entendimento seja efetivo. Essa postura contribui para minimizar o distanciamento entre o paciente e a comunidade médica, evitando a não adesão, garantindo a continuidade, e, consequentemente, melhorando os efeitos da terapia medicamentosa5,6.
Materiais de cunho educativo podem trazer informações de tratamento e lembretes sobre as instruções fornecidas, minimizando o esquecimento. Nesse sentido, é importante considerar que o acompanhamento periódico da equipe multidisciplinar de saúde é imprescindível, educando o paciente quanto à ingestão, dosagem e armazenamento correto, além de oferecer informações sobre como amenizar os efeitos colaterais e sobre as principais interações medicamentosas3,6.
O acompanhamento periódico pelos profissionais e a contínua educação do paciente fornecem a ele um papel ativo nas terapias a que é submetido e fornece os subsídios para que se comprometa a fazer o uso adequado de acordo com as recomendações. Para isso, destaca-se a importância de a equipe estar sempre disponível para esclarecimento de dúvidas, seja através de um telefone ou de um e-mail para que o paciente possa entrar em contato6.
Identificação e manejo de polifarmácia
Cabe ao profissional observar as possíveis interações que podem ocorrer com os medicamentos utilizados por pacientes oncológicos. Além da terapia para o tratamento do câncer, eles podem utilizar outras drogas de suporte ou para tratamento de doenças preexistentes. Para assegurar que os pacientes utilizem essas terapias e ainda tenham adesão ao tratamento, o profissional deve orientar em relação aos melhores horários de administração, a fim de evitar o uso concomitante e tentando ao máximo inserir de forma adequada à rotina do indivíduo, respeitando suas preferências e seus hábitos de vida6,10.
Figura 1. Estratégias para maior adesão. Adaptado de: Rede Câncer, 20176.
Conclusão
Em um cenário em que o câncer representa uma das principais ameaças à saúde pública, a adesão ao tratamento oncológico emerge como um desafio crucial. Diversos fatores podem afetar a adesão do paciente, o que pode resultar em consequências graves, desde o aumento do uso dos recursos de saúde, possível redução da qualidade de vida do paciente e até o aumento da mortalidade. Nesse contexto, o papel do profissional de saúde se destaca como um elemento fundamental na promoção da adesão ao tratamento ao estabelecer uma comunicação eficaz, fornecer informações claras sobre o tratamento e seus efeitos colaterais, além de adaptar as instruções às necessidades e circunstâncias individuais do paciente. O acompanhamento regular, a educação contínua do paciente e a disponibilidade para esclarecimento de dúvidas são componentes cruciais para assegurar a adesão ao tratamento oncológico. Assim, a abordagem humanizada e solidária do profissional de saúde desempenha um papel fundamental na garantia da continuidade do tratamento e no aprimoramento dos resultados da terapia medicamentosa.
Referências Bibliográficas
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