Síndrome pós-trombótica: do tromboembolismo venoso às complicações crônicas

Blood clot, coagulation. 3D illustration.Blood clot, coagulation. 3D illustration.

O tromboembolismo venoso (TEV) é uma doença altamente prevalente e de grande impacto quando se trata de morbimortalidade. As complicações crônicas advindas do TEV podem resultar em sequelas à população acometida e prejuízo em sua qualidade de vida1,2.

Adaptado de: Albricker ACL, et al. 2022 e Burihan MC, et al. 20191,2.

Figura 1: Síndrome Pós-Trombótica.

A Síndrome Pós-Trombótica (SPT) é uma causa comum de Insuficiência Venosa Crônica, caracterizando-se como uma complicação crônica que prejudica significativamente a qualidade de vida, limitando as atividades diárias e a produtividade dos pacientes. Esse impacto pode ser comparado ao de doenças cardíacas e câncer, resultando em consequências socioeconômicas significativas1,3,4.

Fisiopatologia

Desde o episódio de TVP até o desenvolvimento da condição crônica que envolve a SPT, existem diversas vias fisiopatológicas propostas para a caracterização desse processo1,5,6

Adaptado de: Albricker ACL, et al. 20221.

Figura 2: Impacto Socioeconômico da SPT.

Em um primeiro momento, o próprio trombo formado danifica as paredes venosas e promove alterações que causam a incompetência valvular e resultam no aumento da pressão venosa. O segundo mecanismo está relacionado com os danos indiretos às válvulas venosas causados por mediadores inflamatórios envolvidos no processo de resolução da trombose, como a interleucina-6 (IL-6) e a molécula de adesão intercelular-1. Por último, devido à carga trombótica do episódio de TVP pode haver a obstrução do fluxo venoso, caracterizado por uma recanalização que ocorre nos primeiros 6-12 meses após o evento agudo. Essa combinação de fenômenos resulta em uma destruição das válvulas venosas, além do desenvolvimento de outras válvulas colaterais em locais em que há maior obstrução e maior tendência de recorrência de episódios agudos1,5,6.

Adaptado de: Albricker ACL, et al. 20221.

Figura 3: Fenômenos envolvidos na fisiopatologia da SPT.

Essas alterações culminam em obstrução parcial, variados graus de refluxo dos segmentos afetados e hipertensão venosa (Figura 4), resultando em aumento da permeabilidade tecidual com consequente formação de edema1,5-7.

Adaptado de: Vazquez SR, et al. 20096.

Figura 4: Fisiopatologia da Síndrome Pós-Trombótica.

Manifestações Clínicas

Os mecanismos fisiopatológicos da SPT estão diretamente ligados às manifestações clínicas, que variam de sinais leves a sintomas graves1,6.

Adaptado de: Farrel J, et al. 2016; Vazquez SR, et al. 2009 e Kahn SR, 20165-7.

Em estágios avançados, podem surgir infecções na pele, no tecido subcutâneo e no sistema linfático. A gravidade dessas manifestações clínicas está diretamente relacionada ao grau do componente obstrutivo, resultando em dor intensa e claudicação venosa. A presença de refluxo venoso comprometido e obstrução vascular poderiam ser aliviadas com a presença de veias safenas competentes para facilitar a drenagem venosa. Entretanto, alguns pacientes apresentam insuficiência dessas veias, o que agrava o retorno venoso e acelera a deterioração da condição clínica1.

Fatores de Risco

Existem diversos fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento da SPT, dentre eles1:

Há outros fatores que apresentam dados contraditórios em levantamentos, como a idade e o gênero, e embora ambos não tenham isoladamente demonstrado aumentar definitivamente o risco de SPT, a presença associada de obesidade, que é um fator de risco para TVP, destaca-se com uma associação importante para um risco e gravidade aumentados de SPT. Este maior risco pode estar relacionado ao aumento da pressão venosa, promovendo refluxo venoso em veias já comprometidas no contexto de debilitação crônica e função muscular deficiente5.

Diagnóstico

O diagnóstico da SPT requer a conclusão do tratamento da TVP, não sendo possível diagnosticá-la nos primeiros três meses. Os sintomas geralmente surgem entre 3 e 6 meses após a TVP, podendo ocorrer até 2 anos depois. É necessária uma abordagem abrangente, incluindo avaliação clínica, laboratorial, de imagem e pletismografia a ar (PGA), sendo fundamental o registro por imagem da presença de obstrução e refluxo venoso1,7.

O método de imagem de escolha é a ultrassonografia vascular (USV), devido ao baixo custo, disponibilidade em pequenos centros e alta acurácia. A USV possibilita identificar, de maneira mais subjetiva, o grau de componente obstrutivo luminal nas veias acometidas, danos valvares e qualificação do refluxo1.

Diversas escalas clínicas são utilizadas para auxiliar no diagnóstico. Algumas são aproveitadas de outras condições, como a classificação clínica, etiológica, anatômica, patológica (CEAP) e o escore de severidade clínica venosa (ESCV) para insuficiência venosa crônica. Já outras, como as de Brandjes, Ginsberg e Villalta, foram desenvolvidas especificamente para a SPT, sendo a escala de Villalta (Tabela 1) a mais recomendada por sociedades internacionais para diagnóstico e avaliação da gravidade e tratamento da SPT1,5,7.

Conclusão:

A SPT é uma complicação grave e crônica do TEV e seus mecanismos fisiopatológicos envolvem hipertensão venosa, danos vasculares e inflamação, levando a uma variedade de manifestações clínicas que vão desde sintomas leves até complicações graves. A obesidade, trombose recorrente e tempo prolongado de resolução da TVP são fatores de risco importantes para o desenvolvimento da SPT. Seu diagnóstico requer uma abordagem multifacetada, incluindo avaliação clínica e por imagem, com destaque para a ultrassonografia vascular e escala de Villalta. O impacto da SPT na qualidade de vida é significativo e comparável ao de doenças cardíacas e câncer, destacando-se como uma importante questão de saúde com implicações socioeconômicas.

Referências bibliográficas:

  1. ALBRICKER, Ana Cristina Lopes et al. Diretriz Conjunta sobre Tromboembolismo Venoso–2022. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 118, p. 797-857, 2022.
  2. Consenso e atualização na profilaxia e no tratamento do tromboembolismo venoso. Marcelo Calil Burihan… [et al.]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.
  3. FRANÇA, Luís Henrique Gil; TAVARES, Viviane. Insuficiência venosa crônica. Uma atualização. 2003.
  4. KIKUCHI, Rodrigo et al. Diretriz brasileira de doença venosa crônica da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular. Jornal Vascular Brasileiro, v. 22, p. e20230064, 2023.
  5. FARRELL, Jeffrey J. et al. Incidence and interventions for post-thrombotic syndrome. Cardiovascular Diagnosis and Therapy, v. 6, n. 6, p. 623, 2016.
  6. VAZQUEZ, Sara R. et al. Contemporary issues in the prevention and management of postthrombotic syndrome. Annals of Pharmacotherapy, v. 43, n. 11, p. 1824-1835, 2009.
  7. KAHN, Susan R. The post-thrombotic syndrome. Hematology 2014, the American Society of Hematology Education Program Book, v. 2016, n. 1, p. 413-418, 2016.

 

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