O impacto da insônia na hipertensão arterial

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Profº Dr. Luciano F. Drager.

Professor do Departamento de Clínica Médica da FMUSP.

Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor). CRM-SP 95.187.

Nos últimos anos, os distúrbios de sono têm ganhado atenção na Cardiologia, decorrente de evidências crescentes, apontando um aumento no risco de ocorrência de diversas doenças cardiovasculares.1 Estas evidências foram recentemente reunidas e compiladas em um documento que resume de forma prática o impacto dos distúrbios de sono para o cardiologista brasileiro.1 Este texto procura sumarizar algumas evidências sobre as consequências cardiovasculares da insônia (com enfoque na hipertensão arterial sistêmica, HAS).

Como definimos a insônia?

A insônia é definida como a dificuldade em iniciar o sono e/ou manter este estado e/ou acordar mais cedo do que o desejado, apesar de adequada oportunidade para dormir.2 Dizemos que a insônia é crônica quando ela ocorre pelo menos duas vezes por semana por, no mínimo, três meses, acompanhada de insatisfação com o sono e prejuízos de funcionamento durante o dia, como fadiga/ mal-estar; prejuízo na atenção, concentração ou memória; sonolência diurna, entre outros.3,-4 Pesquisas recentes sugerem que ter insônia associada com uma curta duração do sono pode estar associada com maior risco de eventos, incluindo maior incidência de HAS.5-6

Qual a prevalência da insônia?

Existe algum dado na cardiologia? A insônia é o distúrbio do sono mais frequentemente encontrado nos Estados Unidos, com taxas de prevalência de 15%-24%.7-9 No Brasil, um estudo epidemiológico na cidade de São Paulo encontrou uma prevalência de 15% (critério DSM-IV), chegando a 32% quando foram feitas medidas objetivas de medir a insônia usando a polissonografia.10 No âmbito da cardiologia, os dados são escassos. Em um dos únicos trabalhos na área, um grupo americano reportou que cerca de 1/3 dos pacientes com síndrome coronariana aguda apresentou queixas de insônia durante a hospitalização.11

Ter insônia crônica tem implicações na cardiologia?

Pesquisas crescentes sugerem que a insônia crônica pode contribuir para ocorrência de várias doenças cardiovasculares.12 De fato, há evidências associando a insônia com a HAS,6-13 doença coronariana,14-15 insuficiência cardíaca,16 fibrilação atrial,17 assim como aumento da mortalidade.18

Os mecanismos propostos, para este aumento do risco cardiovascular, estão destacados na tabela 1.

TABELA 1. Potenciais mecanismos envolvidos na associação da insônia com as doenças cardiovasculares

O tratamento da insônia pode melhorar a pressão arterial?

O tratamento da insônia, usualmente, requer uma abordagem multidisciplinar, incluindo diversas intervenções psicológicas e comportamentais, tais como a terapia cognitivo-comportamental (TCC).19 No entanto, uma proporção cada vez mais significante de pacientes necessita de tratamento farmacológico para a insônia. Este campo tem ganhado um enorme avanço nas últimas décadas com o desenvolvimento de novas medicações.20

Os agentes disponíveis no Brasil e mais utilizados são os hipnóticos que se ligam aos receptores GABAA, como os hipnóticos benzodiazepínicos e não benzodiazepínicos (por exemplo, as chamadas “z-drugs”, tais como o zolpidem). O zolpidem é hoje um dos agentes hipnóticos mais comumente prescritos para o tratamento da insônia. Ele se liga com preferência à subunidade α-1 do GABAA.21 Esta seletividade pode explicar por que o sono de ondas lentas foi preservado com doses hipnóticas de zolpidem em humanos. Este efeito sobre a estrutura do sono não é observado com o uso de benzodiazepínicos.

Evidências recentes começaram a explorar se o tratamento da insônia pode promover melhora na pressão arterial. O estudo randomizado SLEPT (Sleep to Lower Elevated Blood Pressure), usando apenas intervenções não farmacológicas, observou que elas promoveram melhora na qualidade do sono, mas não reduziram de forma significante a pressão arterial (PA) em hipertensos estágio 1 com insônia não complicada.22

Em outro estudo randomizado,23 o uso do zolpidem por 30 dias melhorou o padrão do descenso noturno da PA em pacientes com insônia (Figura 1).

Conclusões

As evidências apontam que a insônia crônica (com destaque para aquela associada com a curta duração do sono) está associada com aumento no risco de HAS. O tratamento apropriado da insônia pode ter benefício na redução da PA, mas novos estudos são necessários nesta importante área. Neste sentido, a interação do cardiologista com o médico com formação em Medicina do Sono pode ser útil para uma abordagem integrada do paciente.

Referências

  1. Drager LF et al. 1º posicionamento brasileiro sobre o impacto dos distúrbios de sono nas doenças cardiovasculares da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2018;111:290-341.
  2. Edinger JD et al. Derivation of research diagnostic criteria for insomnia: report of an American Academy of Sleep Medicine Work Group. Sleep. 2004;27:1567-1596.
  3. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington (VA); 2013.
  4. Ohayon MM, Reynolds CF 3rd. Epidemiological and clinical relevance of insomnia diagnosis algorithms according to the DSM-IV and the International Classification of Sleep Disorders (ICSD). Sleep Med. 2009;10:952-60.
  5. Bathgate CJ et al. Objective but not subjective short sleep duration associated with increased risk for hypertension in individuals with insomnia. Sleep. 2016;39:1037-45.
  6. Fernandez-Mendoza J et al. Insomnia with objective short sleep duration and incident hypertension: the Penn State Cohort. Hypertension. 2012;60:929-35.
  7. Ford ES et al. Trends in insomnia and excessive daytime sleepiness among U.S. adults from 2002 to 2012. Sleep Med. 2015;16:372-378.
  8. Roth T et al. Prevalence and perceived health associated with insomnia based on DSM-IV-TR; International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision; and Research Diagnostic Criteria/International Classification of Sleep Disorders, Second Edition criteria: results from the America Insomnia Survey. Biol Psychiatry. 2011;69:592-600.
  9. Pearson NJ et al. Insomnia, trouble sleeping, and complementary and alternative medicine: Analysis of the 2002 national health interview survey data. Arch Intern Med. 2006;166:1775-1782.
  10. Castro LS et al. Objective prevalence of insomnia in the São Paulo, Brazil epidemiologic sleep study. Ann Neurol. 2013;74:537-46.
  11. Coryell VT et al. Clinical correlates of insomnia in patients with acute coronary syndrome. Int Heart J. 2013;54:258-65.
  12. Javaheri S et al. Insomnia and risk of cardiovascular disease. Chest. 2017; 152:435-444.
  13. Vgontzas AN et al. Insomnia with objective short sleep duration is associated with a high risk for hypertension. Sleep. 2009;32:491-497.
  14. Laugsand LE et al. Insomnia and the risk of acute myocardial infarction: a population study. Circulation. 2011; 124:2073-2081.
  15. Meisinger C et al. Sleep duration and sleep complaints and risk of myocardial infarction in middle-aged men and women from the general population: the MONICA/KORA Augsburg cohort study. Sleep. 2007;30:1121-1127.
  16. Laugsand LE et al. Insomnia and the risk of incident heart failure: a population study. Eur Heart J. 2014;35:1382-1393.
  17. Han X et al. Association between insomnia and atrial fibrillation in a Chinese population: A cross-sectional study. Clin Cardiol. 2017;40:765-769.
  18. Li Y et al. The association between insomnia symptoms and mortality: a prospective study of US men. Circulation. 2014; 129:737-46.
  19. Jansson-Fröjmark M et al. The cognitive treatment components and therapies of cognitive behavioral therapy for insomnia: A systematic review. Sleep Med Rev. 2018;42:19-36.
  20. Dujardin S et al. Prescription drugs used in insomnia. Sleep Med Clin. 2018;13:169-182.
  21. Meda Pharmaceuticals Inc. EdluarTM (zolpidem tartrate sublingual tablets): US prescribing information (online). (2012). http://www.edluar.com/EDLUAR-PI.pdf.
  22. McGrath ER et al. Sleep to Lower Elevated Blood Pressure: A Randomized Controlled Trial (SLEPT). Am J Hypertens. 2017;30:319-327.
  23. Huang Y et al. The effect of zolpidem on sleep quality, stress status, and nondipping hypertension. Sleep Med. 2012;13:263-8.

Não divulgue o material que está sendo enviado, em atendimento às diretrizes da Resolução-RDC 96, de 17 de dezembro de 2008.

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